Que me desculpem os admiradores de Centeno, não comungo das loas que se propagam na comunicação social ao ex-ministro Centeno. Depois de algumas gaffes cometidas no inicio do seu mandato o ministro das finanças foi paulatinamente ganhando confiança e admiração das pessoas pelo seu rigor e pela sua intransigência no controle das contas publicas. Já ninguém se lembrará do técnico que chegou com um cenário macroeconómico desenhado e planeado, assente em variáveis e pressupostos tão irrealistas que rapidamente meteu na gaveta, seguindo a mesma cartilha do anterior governo imposta pela Europa.

Mário Centeno foi um ministro austero, que utilizou como ninguém as famosas cativações em prejuízo de uns e benefício de outros e que no final de 2019, apresentava um resultado nas contas publicas nunca alcançado em democracia. Em bom rigor, o “milagre” Centeno beneficiou de alguns factores favoráveis, nomeadamente a trajectória de recuperação que vinha do anterior governo obrigado a um ajuste brutal do défice de 9 para 2.9%, da acção do Banco Central Europeu que permitiu manter os juros baixos obtendo uma poupança na ordem dos 2 mil milhões de euros e os dividendos do Banco de Portugal num valor superior a 3 mil milhões. Explica-se também pelas condições económicas mundiais que permitiram um melhor desempenho da nossa economia gerando para os cofres do estado, entre 2016 e 2019 mais de 13 mil milhões de receita fiscal, enquanto usava e abusava de cativações para conter a despesa.

Julgo que a seu tempo a história se encarregará de demonstrar que o dito “milagre” assentou num conjunto de ilusões urdidas com uma máquina de propaganda e com a narrativa do “virar a página da austeridade” que ajudaram a cimentar uma imagem de sucesso. Enquanto reduzia o IRS sobre o trabalho, aumentava os impostos indirectos e criava-se a ideia de estarmos a pagar menos imposto. “Politicamente, o truque foi negociar com os parceiros da governação a aprovação de orçamentos que já sabia à partida não ia cumprir em duas variáveis importantes: investimento e despesa corrente para alguns serviços”.

Assim chegamos a 2020, ano que se esperava e prometia, maior crescimento económico, investimento a rodos em infraestruturas, veio o vírus e tudo caiu como um baralho de cartas. E, números são números. O milagreiro Centeno que recebeu um país com um défice de 2.9%, conseguiu a proeza de equilibrar as contas ficará também na história de entregar um país ao seu sucessor com uma divida pública de mais de 130% do Produto Interno Bruto e um défice perto dos 7%. Mas assim como não podemos assacar-lhe responsabilidades por este descalabro das contas publicas, provocado pela pandemia, também é duvidoso atribuir-lhe todo o mérito nos resultados obtidos até 2019 e ficaria sempre bem alguma humildade intelectual e democrática reconhecer não só os resultados herdados como os ventos favoráveis do BCE, do crescimento da global da economia e do esforço das empresas e trabalhadores.

A saída do Dr. Centeno nesta altura, à falta de melhor explicação, deixa no ar a dúvida se não será uma fuga das marés que não correm de feição

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